Jules e Jim – Uma Mulher para Dois

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(Jules et Jim, Dir. François Truffaut – 1962)

OLAAAAAAAAAAAAAAAAR DOCE CASAL QUE DIANTE DA CONSTRUÇÃO LINDA DO SEU AMOR, CERTAMENTE ESTARÁ PENSANDO QUE ESTE FILME É SAFADEZA E INSPIRAÇÃO PRA COLOCAR MAIS UM PERSONAGEM NA RELAÇÃO PRA APIMENTAR, NEAH? *joga o megafone fora*

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Calma, mulher, sem polêmicas. É quase isso, mas com um toque de glamour típico da Novelle Vague. Truffaut quer ser ousado, quer ser polêmico, quer causar. E faz isso ao produzir um filme que aborda amizade e as peripécias de um triângulo amoroso.

Em Jules e Jim o diretor narra a história de dois amigos inseparáveis, Jules e Jim (claro). O primeiro é gentil, quieto, tímido e romântico; o segundo, extrovertido e adora uma mulher. Em suas andanças pela cidade francesa, eles conhecem Catherine, uma garota que – a princípio – se apresentava com certo ar de pedância, mas com o tempo ela continua pedante só que loka.

#SimSouDoida rs

#SimSouDoida rs

Essa característica da Catherine é o que atiça o fogo no piru dos dois amigos. Jules se apaixona de cara e já avisa Jim sobre sua paixão pela moça. Entretanto, isto não impede o segundo de se apaixonar pela moussa, o que cria um elo entre os dois e forma, então, uma relação de amor e amizade entre o trio.

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Truffaut aborda este tema de uma maneira entre um leve toque cômico e o drama voltado aos sentimentos. Jules se apaixona pela garota e, consequentemente, casam-se. Jim mantém o seu amor por Catherine mas, em consideração pelo amigo, guarda consigo este sentimento. Já Catherine possui uma profunda maneira de ver a vida de forma livre e se vê, ao mesmo tempo, à vontade com Jim e entediada com o pensamento machista de Jules. Truffaut consegue desenvolver uma criatividade no filme ao inserir a voz off em respeito ao fato de este ser um trabalho baseado num romance biográfico de Henri-Pierre Roché, o qual retrata lembranças de sua juventude.

Jeanne Moreau é maravilhoooooooooooooorrrsa ao interpretar Catherine, tomando para si todas as atenções do filme com essa personagem diva/mulher/sedutora/amada/samba na cara das francesas/destruidora de corações *aqueles gifs biográficos*. A sua passagem pelo trabalho do Truffaut leva a sua personagem a ser uma das mais importantes das era da Novelle Vague e se torna inspiração para construção de outras personagens femininas posteriormente.

af, quero aprontar. Já sei!

af, quero aprontar. Já sei!

E como com vocês qualquer coisa é nooooooooossa, certamente vão dizer “ai, muita safadeza esse negócio de triângulo amoroso”. Com toda a sua ousadia, Jules e Jim é um filme que samba no recalque da moral e bons costumes da época, onde o tradicionalismo preserva o amor vestido com a opressão machista e a mulher como serva fiel e máquina de gerar filhos. Jules, Jim e Catherine foram a criação de Truffaut para celebrar a vida, a amizade e o amor e se tornaram um dos trios mais cativantes e lembrados na história do cinema.

O filme é ardente, brutal é gozai-vos!  Risos.

NOTA ALEXANDRE ALVES: 10

Felipe Rocha: 10
Tiago Lipka: 10
Rafael Moreira: 10
Marcelle Machado: 9,5

MÉDIA CLAIRE DANES: 9,9: Adorando a ideia de algo a três (#hojetemdeburca)

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Noivo Neurótico, Noiva Nervosa

vlcsnap-2013-06-30-21h10m15s85(Annie Hall, Dir. Woody Allen – 1977)

Noivo Neurótico, Noiva Nervosa parece ser uma desculpa de Woody Allen para ter uma DR com Diane Keaton e amaciar um pouco seu ego. Considerando que o filme é baseado no relacionamento do diretor com a atriz protagonista do filme, cujo nome é a junção do apelido e do sobrenome verdadeiro de Keaton, aparentemente Allen fez um filme para evitar alguns anos de terapia. Não sei se o diretor superou sua fixação por Diane Keaton, mas pelo menos um bom filme ele fez, a ponto de ser lembrado como ShitClássico da vez.

O filme é sobre o começo, desenvolvimento e fim do relacionamento entre Annie Hall e Alvy Singer. As cenas são apenas diálogos entre, principalmente, os personagens de Woddy Allen e Diane Keaton e nada mais, resultando num retrato eficiente não apenas da relação, mas dos personagens. De cara, o espectador é apresentado a Alvy e seus grandes medos. Fica evidente suas neuroses e, se não há identificação por ele não ter as mesmas preocupações que um ~cara comum~, pelo menos há empatia, pois as motivações do personagem estão claras. Além do mais, como não se identificar com um cara que acabou de levar um fora? Sim, o filme começa deixando claro que os protagonistas não ficam juntos no final, algo que certamente foi inspiração para uns 500 filmes aí.

perdão pela falta de sutileza

perdão pela falta de sutileza

Após apresentar Alvy, a trama volta para quando o personagem de Allen encontra-se com Annie. Apenas pelas roupas fica evidente que Annie não é uma ~mulher comum~, mas em momento algum o filme apresenta a personagem de Keaton como um floco de inverno único e original, nem como uma personagem rasa. Annie é tratada de forma honesta pelo roteiro, sem idealizações. O sucesso da personagem foi enorme a ponto de mais filmes focados em personagens femininas fossem lançados nos anos seguintes, bem como ter influenciado no guarda-roupa e vocabulário de várias mulheres.

Além da ótima caracterização dos personagens, a forma não-linear em retratar a trama se mostrou um grande acerto, pois não é utilizada de forma gratuita e nem tenta ser o grande marco do filme. A influência de diretores clássicos do cinema europeu é evidente, mas a utilização em Annie Hall certamente inspirou as mentes com lembranças de diversos roteiristas

cade a minha sutileza??

cade a minha sutileza??

Annie Hall mereceria todos os elogios apenas pelos fatores já mencionados, mas Woody Allen ainda tira da manga truques como a inserção de animação no meio do filme, e em certa cena, ele apresenta o pensamento dos personagens, mostrando suas inseguranças ao se conhecerem. Porém, uma das idéias mais interessantes é a quebra da quarta parede, com Alvy interagindo com o espectador, com figurantes em cena, e o roteiro se aproveita disso não só para evidenciar traços da personalidade de Alvy como para criticar a sociedade americana, como na famosa cena da fila para assistir um filme.

spotted: bergnamzim

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Além de ser um filme de personagens, Annie Hall é um filme sobre filmes e cultura em geral. Os personagens leem, vão para o cinema, assistem televisão e conversam entre si sobre suas experiências culturais, um reflexo de como esses elementos culturais influenciam as vidas de todos – não é à toa que a animação inserida é Branca de Neve e os Sete Anões. E sem assumir ares pedantes, saber da opinião dos personagens sobre livros e filmes cria camadas a eles. Fica claro a obsessão de Alvy com a morte e a inclinação feminista de Annie.

Allen também acerta em como retrata Nova York e Los Angeles, utilizando tons azulados e cinzas para retratar NY, enquanto usa cores vibrantes quando os personagens estão em LA. É dessa forma que Allen convence o espectador que o lugar de Alvy é em Nova Iorque, talvez por retratar a cidade de forma tão caótica quanto o protagonista; e que o lugar de Annie é em Los Angeles, deixando claro que o que separou os dois foram diferenças tão grandes quanto a distância entre as cidades.

Allen tem a habilidade de usar toda essa mistura de elementos e fazer de Annie Hall um filme coerente, sem que nenhum dos artifícios utilizados desvirtue o foco do filme: o retrato da sociedade americana culturalizada, tomando como base o relacionamento entre os protagonistas. Annie Hall foi um filme inovador, para o público geral da época, provando que é possível desenvolver temáticas com profundidade em uma trama tão simples quanto o dia a dia de um casal do começo até antes do amanhecer do término.

não, sutileza não é meu forte.

não, sutileza não é meu forte

NOTA MARCELLE MACHADO: 10

Alexandre Alves: 10
Dierli Santos: 10
Felipe Rocha: 9
Leandro Ferreira: 9
Fael Moreira: 10
Tiago Lipka: 10
Wallyson Soares: 9

Média Claire Danes do ShitCat: 9,625 claire de burca

Rede de Intrigas

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“I’m as mad as hell, and I’m not going to take this anymore”

(Network, Dir. Sidney Lumet – 1976)

Este é o mantra que leva o Shitclássico da vez pra frente. Rede de Intrigas funciona assim: temos Howard Beale, âncora durante muitos anos no telejornal mais importante do canal UBS. Após seu programa começar a perder audiência, a morte recente da esposa, o uso excessivo de álcool por consequência disso e, como a ponta do iceberg nessa maré do demônio, a UBS resolve demití-lo. Quem lhe dá a notícia é Max Schumacher, seu melhor amigo. Mas aí o Beale começa a literalmente enlouquecer, sendo o primeiro sinal disso seu anúncio de suicídio no ar. Em seguida, o homem resolve profetizar sobre o mundo e, aproveitando o atual estado deplorável do âncora, dois produtores, Diane Christensen e Frank Hackett, resolvem demitir apenas Max, que é contrário ao ar sensacionalista que o programa assume e permanecer com Beale na grade.

tô loca!

tô loca!

Rede de Intrigas é um dos melhores filmes de todos os tempos por N motivos. O primeiro deles é o casamento Sidney Lumet e Paddy Chayefsky, que será comentado melhor depois. O tom profético do filme é absurdo (não é à toa que Howard se torna uma espécie de Messias): o filme prevê o dano que o jornalismo sensacionalista poderia causar às pessoas ao redor e infelizmente nos faz pensar que muitos assistiram ao filme e fizeram escola, da forma errada, claro. Há um cuidado do roteiro em citar e referenciar assuntos tão atuais, como, por exemplo, a cena em que Howard anuncia que irá se matar. Ela é uma referência ao real suicídio da âncora Christine Chubbuck (inclusive nessa cena é interessante ver o tamanho do descaso dos próprios diretores com Howard). O filme também se baseia no caso de Patricia Hearst, atriz e socialite da época que foi sequestrada pela Symbionese Liberation Army (aqui citada como Ecumenical Liberation Army). Curiosamente, a atriz que faz Mary Ann Gifford é Kathy Cronkite, filha de Walter Cronkite, que é citado por Beale e Schumacher com saudosismo na primeira cena do filme, sem contar Lauren Hobbs se parecendo mais com Angela Davis que a própria Angela Davis e diversos outros acertos no roteiro que nos faz crer que

comigo ninguém pode bee

comigo ninguém pode bee

O texto do filme é extraordinário. O cinismo de Diane é tão acentuado que chega a ser incômodo. A dureza nas palavras de Howard e a serenidade necessária de Max Schumacher são impressionantes e nos fazem duvidar se isso saiu de alguma pessoa normal, gente como a gente, sabe? Outro acerto do roteiro é nunca colocar Diane e Howard interagindo. Ele é o maior dos interesses dela, porém ela sequer se importa com a saúde mental dele ou com qualquer outra coisa que não seja o crescimento da audiência. Max é o único que parece se importar com Howard durante todo o filme e a cena inicial, que mostra uma conversa descontraída de Howard e Max, prevê todo o caos que viria no futuro, com Max contando uma história de suicídio (no caso, o dele). No entanto, o grande acerto do filme é a atemporalidade. As coisas proféticas ditas por Howard realmente eram proféticas, como, por exemplo, a tão famosa cena.

Se eu não soubesse que esta porra de texto era de 37 anos atrás, poderia achar que isso é de sei lá, ontem. A cena é o estopim em todo o filme, é o ápice da loucura de Howard e mostra o quanto a mídia sensacionalista e de pouco cuidado com apuração pode ser perigosa tanto pra quem assiste como pra quem faz, exibe e incentiva tal prática.

Que Sidneyzinho Lumet é um gênio, isso todo mundo sabe. Mas em Rede de Intrigas ele eleva isso em níveis ainda mais altos, como a já citada cena do maior surto de Howard Beale, na qual ele usa o completo silêncio pra evidenciar a atuação impressionante de Peter Finch, que torna toda a atmosfera da cena um tanto incômoda.Também temos a cena da conversa entre Max e sua esposa Louise e a cena da conversa de Max e Diane perto do final do filme (“I gave up comparing genitals back in the schoolyard <3333333333). Além disso, temos aquela que pode ser considerada a mais importante cena de todo o filme: a franca conversa entre Howard e Arthur Jensen, o presidente da UBS. A atmosfera da cena é sobrenatural, beirando ao assustador, a fotografia e a decisão de filmar a figura espantadora de Arthur de longe são geniais. Até que chegamos no momento crucial de todo o cinismo da indústria.

Arthur Jensen: You just might be right, Mr. Beale.

E isso aqui se chama

crocância

crocância

As atuações são de arrepiar, começando pela vencedora do Oscar, Beatrice Straight, que com apenas 5 minutos dá a atuação de sua carreira, mostrando sua Louise claramente cansada do descaso do marido com o seu longo casamento. As cameos chamam a atenção e a melhor de Rede de Intrigas é Ned Beatty. É assustador o quão compreensivo o personagem parece ser em seus primeiros momentos e quão nocivo e cruel ele pode ser em questão de minutos. Robert Duvall é um coadjuvante de luxo, muito luxo. Peter Finch é facilmente o mais impactante, papel que também o deu Oscar (póstumo). Suas cenas são impressionantes e é incrível como Finch consegue driblar o overacting que poderia ter sido encaixado sem soar estranho. E ai que chegamos a William Holden. Ele tá ali, onipresente, poucos prestam atenção nele, mas ele tá ali e é assim no estilo come quieto. Holden tem uma das melhores atuações do filme, a mais contida, que usa a firmeza necessária pra mostrar que alguém naquele lugar precisava de um pouco de sanidade. E, enfim, chegamos a Faye Dunaway.

SAI NA CAPOEIRA/PERIGOSA/MACUMBEIRA

SAI NA CAPOEIRA/PERIGOSA/MACUMBEIRA

Faye é um show à parte, o cinismo e a ambição da personagem é extraordinário, à margem do ofensivo. Dunaway encarna Diane como se ela fizesse tudo aquilo todo os dias da vida dela. É interessante prestar atenção que Diane não consegue parar de falar de trabalho até em seus momentos mais íntimos e Faye é uma metralhadora de palavras e comentários degradantes. A figura mais nociva de todo o filme, uma das melhores atuações da atriz e um dos Oscar mais bem recebidos de todos os tempos, Faye dá uma pequena aulinha de como se fazer gostoso.

Rede de Intrigas é perfeito tanto pra cinema com o intuito de descontrair quanto para cinema com o intuito de protesto, mostrando o quão podre e manipulativo pode ser aquele que devia lhe informar e o como é cruel usar a figura claramente prejudicada mentalmente apenas para ganhos individuais.

NOTA LEANDRO FERREIRA: DEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEZZZZZZZZZZZZRGH!

Alexandre Alves: 10
Felipe Rocha: 10
Marcelle Machado: 10
Rafael Morenga: 10
Tiago Lipka: 10

MÉDIA CLAIRE DANES : 10 e ela tá correndo assim pois está procurando uma janela mais próxima

claire de burca

A Doce Vida

adocevida5“Somos tão poucos os descontentes com nós mesmos”

(La Dolce Vita, 1960 – Dir. Federico Fellini)

A Doce Vida é o filme que definiu Fellini como um diretor genial e uma de suas obras primas, junto com Oito e Meio, Amarcord e Noites da Cabíria. Por muito tempo, foi a maior bilheteria de um filme estrangeiro nos Estados Unidos e influenciou muita gente boa por aí, que nem Roman Polanski, David Lynch, Woody Allen e Terry Gilliam (esse último, provavelmente o que chegou mais perto do estilo do italiano).

É um filme que se mantém forte e atual, contendo várias críticas ao povo do ~classe média sofre~ ou à falsa moral religiosa e, minha filha: se você não viu, corre lá agora e vai assistir, porque pra discutir aprofundadamente sobre o filme, eu vou citar muitas coisas específicas dele e você já teve 53 anos (em 2013) pra assistir a isso, né? (Mas quando surgirem spoilers de verdade, eu aviso).

O longa começa com a imagem de Cristo sobre Roma, com a estátua sendo levada de helicóptero para uma catedral e termina com uma raia morrendo em uma praia. O contraste entre as duas imagens resume o que é A Doce Vida: o conflito entre o idealizado e o real; a imagem de Cristo ressuscitado é louvada pelo povo, mas não é uma imagem real. Já a raia morta é vista com asco, cheira mal – mas é bem real.

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EVERYBODY CHILL THE FUCK OUT! I GOT THIS!

Se complementarmos o contraste entre o idealizado e o real para o documental e a ficção, temos o conflito principal de Marcello (Marcello Mastroianni), o protagonista do filme. Ele sempre sonhou em ser escritor, mas acabou sendo jornalista. E, por jornalista, entenda-se redator de coluna de fofocas. Sendo assim, está sempre cercado por celebridades, belas mulheres e pessoas da alta sociedade, ficando cada vez mais distante das pessoas de seu passado, como amigos e família. A Doce Vida mostra alguns dias decisivos na vida de Marcello, como um sujeito bonitão que veio do interior, se estabeleceu na cidade grande e tenta suprir sua infelicidade ao se relacionar com várias mulheres.

RECEBIDA

RECEBIDA

E ao mesmo tempo é um filme sobre Roma, louvando a beleza da cidade, mas também crítico. Logo no início, Marcello leva Maddalena (Anouk Aimée) para casa quando ela resolve dar carona a uma prostituta. Maddalena acaba realizando parcialmente sua fantasia de se tornar uma prostituta ao transar na casa de uma com ele – e, novamente, a fantasia (o idealizado) esconde a realidade de Maddalena e Marcello e vemos que a prostituta sofre nas mãos de um cafetão violento.

Fellini também demonstra um asco divertidíssimo dos fotógrafos de jornais – e não é à toa que o termo Papparazzi foi criado nesse filme. A chegada de Sylvia (Anita Ekberg), a belíssima atriz americana, é hilária quando o diretor foca a ação na movimentação absurda dos fotógrafos e pessoal de mídia. E, voltando ao tema central, reparem que os fotógrafos fazem Sylvia sair mais de uma vez da porta do avião: a busca pelo ideal, mesmo em sua forma mais mundana está presente ali e, enquanto todos sofrem para chegar perto de Sylvia, Marcello espertíssimo sai paquerando duas aeromoças.

Marcello é cônjuge de Emma (Yvonne Furneaux), uma mulher levemente desequilibrada e obsessiva para com ele, mas que realmente está abandonada. Aliás, é curioso lembrarmos que é sempre citada a obra nunca terminada de Marcello. Se ligarmos isso a seu relacionamento com Emma, temos mais uma camada complexa ao filme: para ele, Emma foi a musa pela metade. Não é a toa que suas discussões são extremamente superficiais e violentas. Marcello não está reclamando de ações; quer sua inspiração de volta quando grita com ela (reparem que mesmo no calor da discussão ele nunca a interrompe e sempre leva um bom tempo para buscar um argumento contra ela: ele precisa brigar, mas nem deve saber direito porque).

E quando a primeira entrevista de coletiva com Sylvia acontece em seu quarto de hotel, Marcello acaba preso no telefone com Emma. Dividido entre o amor excessivamente maternal e obsessivo de Emma e a beleza encantadora de Sylvia, Marcello acaba se tornando levemente obsessivo com a atriz, algo que culminará numa das cenas mais famosas da história do cinema, quando Sylvia, numa amostra igualmente extraordinária de egocentrismo e inocência vai se banhar na Fontana di Trevi. E, como a realidade nunca falha, descobrimos que Sylvia sofre de abusos domésticos com o ator com quem tem um desses casos secretos que todos sabem que existe.

adocevida6Há ainda o encontro entre Marcello e seu pai. Cheio de longas pausas, seu pai parece estar sempre tentando evitá-lo e só fica a vontade quando há mais pessoas na mesa. Os dois acabam indo para uma boate, onde encontram uma dançarina que, provavelmente, já foi amante de Marcello. O pai dele acaba achando que a está seduzindo, quando ela, na verdade, está apenas provocando Marcello. A noite acaba na casa dessa mulher de forma extremamente melancólica. O pai passa mal com a bebida, e Fellini num dos vários toques de gênio espalhados na obra, deixa ele de costas durante toda a cena, inicialmente num plano aberto, e depois no plano/contra-plano mais fechado. Em si, a cena parece resumir a infância e toda a carência do protagonista (e tenha em mente que o pai é vendedor).

adocevida4No entanto, dramaticamente, talvez seja Steiner (Alain Cuny) quem melhor resuma tudo o que Fellini tem a dizer sobre a “doce vida” do título. Grande amigo de Marcello, repleto de amigos intelectuais, casado e pai de duas adoráveis crianças, ele representa quase uma segunda figura paterna para Marcello, que quando convidado para sua casa pede quase infantilmente que deixe que ele frequente mais aquele local. Dono de enorme sensibilidade, reparem como Steiner desvenda toda a crise entre Marcello e Emma poucos segundos depois deles entrarem, matando a charada para ela na mesma hora: “Quando você compreender que ama Marcello mais do que ele ama a si mesmo, será feliz”.

E aqui é de verdade: se não viu ao filme, é melhor não prosseguir (mas tem o fim dos spoilers em negrito avisado ali embaixo, corre lá).

E é então que Marcello é chamado na casa de Steiner e o encontra depois de ter assassinado os filhos e se matado em seguida. Quando revisto, as pistas de que isso aconteceria estavam todas ali: até a música que ele toca na Igreja para Marcello parece um pedido por ajuda (e Marcello, egoísta, é incapaz de reconhecer a dor do outro, por mais próximo que ele seja). Mas ainda sobre essa sequência, talvez poucas vezes a atividade jornalística tenha sido retratada como algo tão nojento e mesquinho como no momento em que a polícia vai abordar a esposa de Steiner com Marcello e os fotógrafos cercam a situação. Se o suicídio de Steiner não fosse em si a representação mais forte do conflito entre realidade x ficção, lembrem que logo no início da trama Emma tenta usar do suicídio para chamar a atenção do marido – algo que torna sua situação ainda mais trágica, mas num sentido quase patético, em comparação.

O suicídio de Steiner é o estopim que desencadeará a Marcello abandonar de vez o seu sonho e trabalhar como assessor de imprensa, partindo à parte publicitária do assunto – se aproximando mais do que o que seu pai faz (vendedor, lembra?) do que sua figura paterna o estimulava a fazer. O striptease e a orgia fracassados no final fecham com perfeição o arco tragicômico de sua jornada e o reencontro com a menina “com feições de anjo” no final é absoluto: se conseguir ouvir ou compreender a mensagem dela, ele apenas

¯\_(ツ)_/¯

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e vai embora. Além de fazer mais uma ligação entre a primeira e a última cena (Marcello estava no helicóptero tentando se comunicar com as garotas, seguindo aquele que levava Jesus), é o exato momento em que o protagonista se dá conta do que se tornou e que, agora sim, talvez seja tarde demais para tentar tudo outra vez.

FIM DOS SPOILERS

Embora a cena da Fontana di Trevi seja a mais lembrada do filme, para mim, as melhores cenas que Fellini criou nesse filme, fora o já citado momento de Marcello com o pai, é o número do palhaço com os balões (por todo o contexto: o número é lindo, o pai não presta atenção por causa da moça; Marcello presta atenção no pai e a moça quer que os dois vejam o palhaço) e a sequência no casarão de família. Nesta última, Marcello “encontra” Maddalena, e esta o leva à ~sala dos assuntos sérios~, onde ele fica sentado apenas ouvindo o que ela, em outro cômodo, diz, através de uma fonte. Ela o obriga a se declarar e enquanto ouve suas palavras “apaixonadas”, seduz outro homem. E não uso “encontra” e “apaixonadas” em aspas a toa: repare que, provavelmente, Maddalena não estava no local.

Vale lembrar também da coragem do cineasta pelo nível da crítica apresentado na sequência das crianças que fingem enxergar Nossa Senhora. A cena em si é tão completa que é difícil escolher apenas um detalhe para representá-la, mas pessoalmente duas coisas me impressionam: a família da criança colocada pelos fotógrafos em determinada posição e se mantendo naquelas poses mesmo quando as fotos já foram tiradas e os fotógrafos já saíram; e o momento da chuva, quando a preocupação é salvar os equipamentos de luz e não os doentes.

adocevida3Mas apesar de toda a complexidade, de toda as ironias e da clara alegria do seu diretor em contar sua história (ninguém fazia filmes tão pedantes quanto alegres como Fellini) é a atuação de Marcello Mastroianni o fator determinante para o sucesso do filme. Ator único e extraordinário, cuja naturalidade em frente a câmera é extremamente rara, é graças a uma combinação única de sentimentos que a jornada do protagonista se torna tão significativa para o público: Marcello (o personagem) é machista, egoísta, impulsivo, mas é também sensível, divertido, apaixonado. Contraditório como todos somos e como a vida também é. Se ela é doce ou não, vai do gosto do freguês.

NOTA TIAGO LIPKA: 10

Alexandre Alves: 10
Felipe Rocha: 10
Leandro Ferreira: 10
Marcelle Machado: 10
Rafael Moreira: 10

Média Claire Danes do Shitchat: 10

claire de burca

Todos os Homens do Presidente

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(All the President’s Men, Dir. Alan J. Pakula – 1976)

Há três filmes que nenhum estudante de jornalismo chega ao final do primeiro ano de faculdade sem ter visto: Cidadão Kane, obviamente, é um deles. A Montanha dos Sete Abutres, do Billynho Wilder, é outro. Inclusive recomendo esses dois aí, pois são duas obras-primas etc. Porém, o terceiro filme da lista para a galera que passa quatro anos estudando sobre teorias da comunicação, Escola de Frankfurt e outras coisas horríveis tipo ortografia pra depois perder vagas de emprego porque “publicitários sabem fazer os dois trabalhos” é justamente meu preferido deles: Todos os Homens do Presidente.

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os homem da presidenta

Eu sei que você já sabe do que se trata e já viu a delícia dezessete vezes só esse ano, mas não custa relembrar: tem uma invasão no Hotel Watergate, nos EUA, e um repórter (Bob Red) acha tudo esquisitíssimo e vai investigar com a ajuda de seu coleguinha (Rain Man). Aí eles vão revirando a merda e desmascarando a conspiração e no final o presidente Nixon (Richard Nixon) acaba renunciando ao cargo. Manerão.

pra quem se perguntava o que é um "enquadramento crocante", cá está

pra quem se perguntava o que é um “enquadramento crocante”, cá está

Alan J. Pakula filma a parada de uma forma que passa uma sensação de urgência, que tem algo muito grave a ser revelado em breve. Ao mesmo tempo, o filme takes its time e não corre com as infos, dando ao espectador a oportunidade de absorver os acontecimentos, ainda que a próxima bomba já esteja a caminho. É quase um Vampire Diaries de tanta twist.

O interessante é que essa aparente lentidão, juntamente com o retrato (quase) preciso de uma redação de jornal, ajuda a tornar o filme ainda mais realista. Levando em consideração que apenas os sete primeiros meses da investigação são mostrados ao longo das 2h18min de projeção, vamo combinar aqui que o ritmo é perfeito. Além disso, o roteiro é (quase) 100% fiel ao livro, algo que também contribui a favor do filme. Afinal, o diretor lida com acontecimentos históricos e não pode simplesmente modificá-los apenas como o objetivo de fazer funcionar na tela, né?

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Vale lembrar que Todos os Homens do Presidente foi lançado coisa de dois anos depois do Watergate, então tudo ainda estava bem fresco na memória da galerinha. Entretanto, mesmo que tivessem passado décadas, Pakula não trata o espectador como uma criança que precisa de 40 explicações para entender o que acontece.

 não entendi esse parágrafo, repete

não entendi esse parágrafo, repete

O filme é completamente ~envolto~ em uma atmosfera de paranoia e medo, sentimentos que são representados de forma perfeita na cena em que Dorothy Michaels vai visitar Jane Alexander. A velha (no caso velha hoje, na época ela era gatinha) se recusa a falar de primeira e Pakulão enquadra ela de uma jeito que parece que o corrimão da escada são grades de uma prisão, repare:

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E então ela aos poucos “sai da prisão” e, enquanto Ted Kramer começa a se sentir a Lorelai Gilmore e bebe 58 litros de café, Janinha começa a fornecer infos essenciais para a sequência da investigação, ainda que relutante. Assim como Ben Braddock, a gente espera que ela recue e pare de falar a qualquer minuto – meu coração parava a cada soluço dela. Agora uma info que mei que foda-se, mas não custa dizer que foi SÓ por essa cena que ela foi indicada ao Oscar.

Há outras pedâncias características que ajudam a transformar Todos os Homens do Presidente na obra-prima que é: a fotografia, que insiste em colocar os protagonistas para “andar no escuro”, em uma achocolatada metáfora sobre a situação de sua investigação; o trabalho de som, contido e quase silencioso, que acaba enfatizando pequenos barulhos, como os das máquinas de escrever do Washington Post; e a montagem, essencial praquele ritmo manero que a gente falou ali em cima. Fora que o Hal Holbrook, já idoso em 1976, se chama GARGANTA PROFUNDA.

perdão, mas Shitchat não seria Shitchat se não tivesse essa ~piada

perdão, mas Shitchat não seria Shitchat se não tivesse essa ~piada

NOTA FELIPE ROCHA: 10

Alexandre Alves: 10
Leandro Ferreira: 10
Marcelle Machado: 10
Rafael Moreiga: 10
Tiago Lipka: 10
Wallysow: 10

Média Claire Danes do Shitchat: 10

Sindicato de Ladrões

onthewaterfront_cover“I coulda had class. I coulda been a contender. I coulda been somebody, instead of a bum, which is what I am, let’s face it.”
(On The Waterfront, 1954, Dir. Elia Kazan)

Quando me preparava pra rever Sindicato de Ladrões não esperava que o longa me surpreendesse. De verdade, foi uma porrada que nunca havia levado antes ao rever um filme. Dirigido por Elia Kazan, essa delícia já era um dos meus filmes favoritos e agora encabeçou o topo da lista.

Elia Kazan veio do Oscar de A Luz é Para Todos e, depois de mais alguns filmes, dirigiu Marlon Brando e Vivian Leigh em Uma Rua Chamada Pecado. Mais uns anos e uns filmes depois, realizou Sindicado de Ladrões.

onthewaterfront1Terry Malloy (Marlon Brando) é um ex-boxeador que não deu certo na carreira e é usado para atrair Joey Doyle para uma emboscada por este desafiar Johnny Friendly (Lee J. Cobb), o corrupto chefe do sindicado das docas. Terry é ingênuo e quando percebe que atraiu Joey Doyle para a morte, fica transtornado, e mais ainda porque acaba se envolvendo com a irmã da vítima.

Todos sabem dos crimes do sindicato, mas não ousam abrir a boca com medo ou por não levarem a má fama de delator. A ingenuidade e as incertezas de Terry são claras na atuação de Brando. O dar de ombros constante e o “não sei” como resposta para quase tudo descrevem um vadio incompreendido. No entanto, o papel de Terry foi escrito inicialmente para John Garfield, que morreu precocemente em 1952. Kazan queria Sinatra e, posteriormente, ofereceu o papel também a Montgomery Clift, mas o produtor Sam Spiegel disse que queria o Brando pela a força que o cara tinha nas bilheterias.

onthewaterfront_cabElia Kazan tinha indicado vários nomes ao Comitê de Atividades Antiamericanas durante o Macartismo na década de 1950 (incluindo atores, roteiristas, e diretores), colocando-os numa lista negra por fazerem parte do Partido Comunista. Isso acabou com a carreira de muitos. E Sindicato de Ladrões pode ser assistido sob a perspectiva de uma retratação do diretor em relação a isso, mas também como uma resposta à peça As Bruxas de Salém, que o criticava. Brando não topou o papel facilmente porque estava puto com Kazan pelo que ele tinha feito. No fim, acabou aceitando e ganhou seu primeiro Oscar, então, que bom, né, querida? Inclusive, todo ano Marlon Brando poderia ganhar o Oscar só pela cena no táxi. Agora, a partir daqui pode ter uns spoilers pra quem não viu, então af.

O filme foi sucesso e, além do Oscar de ator, ganhou mais sete. O elenco de coadjuvantes está massa. Padre Barry (Karl Malden) tem uma cena de discurso no cais que é foda. Enquanto dá esporro nos trabalhadores para eles não apoiarem tudo de criminoso do sindicato, o padre é atingido por vários objetos. E Eva Marie Saint é uma coisinha maravilhosa como Edie, papel que seria de Grace Kelly, mas como ela estava ocupada com Hitchcock, deixou a oportunidade do Oscar de melhor atriz para Eva Marie Saint.

Sendo um pouco pedante e analisando o filme por outra perspectiva, Sindicato de Ladrões é sobre valores. É sobre se manter fiel aos seus princípios mesmo quando todos que você achava que eram seus amigos lhe viram as costas, quando você se torna um “delator”. É sobre o medo cegando e calando as pessoas. Um filme atemporal, pois essa situação vai existir sempre.

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A pigeon for a pigeon! ='(

Outra cena que eu acho fodona é aquela improvisada pelo Brando: Terry está lá andando no parque com a Edie, e ela diz que vai embora. A luva dela cai e Terry pega, mas não devolve. Em vez disso, ele veste a luva ❤ . Tudo, claro, para que Edie fique mais tempo com ele.

Sindicato de Ladrões é cheio de cenas assim. É um presente que se torna muito mais interessante quando se conhece as motivações do Elia Kazan. Os minutos finais são inacreditáveis. Já destruído com o diálogo de Terry na cena do táxi onde todas suas decepções são conhecidas, a caminhada até o cais consegue acabar de matar.

NOTA RAFAEL MOREIRA: 10

Alexandre Alves: 10
Felipe Rocha: 10
Leandro Ferreira: 10
Marcelle Machado: 10
Tiago Lipka: 10

Média Claire Danes do Shitchat: 10

claire de burca

Ladrões de Bicicleta

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(Ladri di biciclette, 1948. Dir. Vittorio de Sica)

Oláaaaaa você que é da nação Facebook/Twitter e adora esperar o domingo chegar só pra falar que depois será segunda-feira e você tem que trabalhar. Filho, agradeça ao papai do céu da boca da onça por você ter trabalho pra pagar as 12 prestações do seu iPhone, pois hoje vamos falar sobre o desemprego.

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Fila pra competir à vaga de estágio pro Blog do Shitchat.

Ladrões de Bicicleta é um dos filmes mais importantes do cinema por ser parte do movimento Neorrealista italiano, iniciado na década de 40. Vittorio de Sica narra uma Itália destruída após a Segunda Guerra, e as pessoas a tendo que sobreviver à crise que existia. Em meio a isso, o filme conta a história de Ricci que, para manter a sua esposa, Maria, e o seu filho, Bruno, sai em busca de trabalho. Dentre tantas buscas, ele encontra o emprego de colagem de cartazes; contudo, para que Ricci conquiste a vaga, ele precisa ter uma bicicleta. E consegue após sua mulher vender o enxoval de casamento para que o esposo compre o transporte. E em companhia de seu filho, Ricci inicia a sua jornada de trabalho.

O que desenrola a trama é o que o título nos apresenta: enquanto Ricci cola cartazes, a bicicleta é roubada. E se ele não tem mais bicicleta, não tem mais trabalho! Daí, em meio ao desespero do risco de voltar ao desemprego, Ricci parte com o filho em busca de seu transporte, ora contando com os amigos, ora (e na maior parte do tempo) sozinho com Bruno. A ansiedade se amplia a cada momento, a agonia tomando conta do homem que vê uma vida melhor escapando de suas mãos.

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Vittorio de Sica se mostra um formidável diretor por dois aspectos: primeiro, por transformar a felicidade de uma família, que está diante de uma mudança de vida por meio do emprego em desespero, o pessimismo diante de uma década marcada pela fome e ações para sobreviver num período pós-guerra. O semblante de sofrimento nos atores é explorado constantemente, e o trabalho com amadores (característica do movimento neorrealista e devido à curta verba para o filme) torna a atuação mais livre, pois os atores se entregavam ao sentimento de perda e angústia que os personagens viviam.

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O segundo aspecto é a situação vista sob o olhar do menino Bruno, que acompanhou o pai, mas demonstrava a característica egocêntrica típica da criança: ele sabe que o pai perdeu a bicicleta, mas ele está com fome, ele está cansado, ele quer ir pra casa. E um dos momentos mais emocionantes do filme é proporcionado pelo Bruno que observa o momento em que seu pai mais se humilha em prol de sua família. Assistimos à criança que vê a angústia e a tentativa desesperada do pai de encontrar a sua bicicleta.

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Enfim, passaria horas falando deste filme. É a reconstrução do momento histórico que a Europa vivenciou; neste período, estúdios acolhiam pessoas que perderam suas casas por conta da guerra. Vittorio de Sica se tornou responsável em recontar através do cinema a sua época: uma história sem rodeios, de uma sociedade marcada pela fome, desespero, marginalidade e esperanças roubadas.

NOTA ALEXANDRE ALVES: 10

Tiago Lipka: 10
Felipe Rocha: 10
Marcelle Machado: 10
Leandro Ferreira: 10
Wallysson (AF, PELO AMOR DE DEUS, TINHA QUE ESTRAGAR TUDO DE NOVO) Soares: 9,5
Ralzinho Carvalho: 10
Fael aos 45 do segundo tempo (estava atualizando Glee) Morenga: 10

MÉDIA CLAIRE DANES: 9,9 – CLAIRE DESFILANDO DE BURCA, PATROUA ORGULHOSA claire de burca

Um Corpo Que Cai

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One final thing I have to do… and then I’ll be free of the past.
(Vertigo, 1958. Dir. Alfred Hitchcock)

Um Corpo Que Cai, na época de seu lançamento, foi considerado um fracasso, mas ainda bem que o tempo passa, o tempo voa. Hoje, esta crocância de Hitchcock tem seu devido destaque na história do cinema, sendo considerado um dos melhores suspenses de todos os tempos. E, para coroar a consagração de Um Corpo Que Cai, o filme ganha seu lugar no ShitClássicos da semana.

A trama começa mostrando como o protagonista John “Scottie” Ferguson (James Stewart) passa a sofrer de medo de altura, consequência de uma perseguição a um bandido, por isso, sendo obrigado a deixar o emprego de detetive. Um dos efeitos desse trauma é sentir vertigens – vertigo, em inglês, e título original do filme -, mas não é apenas literalmente que Hitchcock aborda esse aspecto.

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Sem emprego, Scottie passa seus dias ~ vagando ~ por aí, gastando seus dias visitando a casa de sua melhor amiga, Midge Woods (Barbara Bel Geddes), até que um ex colega o contata com uma missão intrigante: seguir Madeleine (Kim Novak), sua esposa, não por suspeita de estar sendo traído, mas dela estar sendo possúída por uma antepassada. À princípio cético, Scottie, pouco a pouco, vai acreditando na possibilidade de seu colega estar certo e Madeleine realmente estar se tornando outra pessoa. E à medida que o envolvimento de Scottie aumenta, indo mais fundo na espiral que a história se torna, ele se apaixona. Um amor que não pode ser concretizado, pois Madeleine acaba morrendo, empurrando Scottie de vez para dentro da espiral, e pra longe da realidade.

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O ex-detetive passa um período sob tratamento psiquiátrico, e aparentemente está de volta à vida. Porém, ainda continua procurando Madeleine entre desconhecidas. E é aí que encontra Judy Barton, jovem com uma enorme semelhança física à sua falecida amada, e se envolve com ela, buscando encontrar ecos de Madeleine na atual namorada. A loucura de Scottie vai crescendo enquanto tenta transformar Judy em Madeleine, e o amor daquela pelo ex-detetive é testado até o clímax surpreendente.

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A trama pode soar fraca – para os pedantes, né -, mas a forma como Hitchcok conta a história é irreparável, sabendo dividir corretamente o filme em duas partes. A primeira metade do filme é dedicada ao suspense sobrenatural. Estaria Madeleine realmente possuída? O limite entre realidade e sonho é enfatizado com São Francisco retratada de forma etérea, mesmo se tratando de uma cidade litorânea. Hitchcok nunca apela para as cores fortes – o fato do filme ter sido filmado em cores não é a troco de nada -, exceto em momentos chave, como a introdução de Madeleine. A segunda metade narra a entrega de Scottie à loucura, e o suspense é sustentado pela curiosidade do espectador em como Scottie descobrirá a verdade. Não apenas nas cores, o cuidado de Hitchcock está em detalhes do figurino. A cor cinza para o vestuário de Madeleine foi escolhida para o espectador estranhar a personagem, pois o diretor achava incomum uma loira usar cinza.

dona scottie suas duas madeleine

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A caracterização dos três personagens principais não é abrupta, suas nuances são reveladas aos poucos, e sem cenas sobrando. Enquanto Scottie tem medo de encarar a vida, preferindo fugir de confrontos, ou evitando encarar seus medos, Midge é realista, tem sua independência, e tenta resgatar o amigo, mas ele está buscando o irreal, representado por Madeleine, que de tão irreal, chega a ser uma farsa. É interessante o contraponto entre Midge e Madeleine: enquanto esta trata Scottie de forma quase maternal, aquela o draga para a morte. Por fim, Scottie é arrastado para onírico, parte devido ao seu escapismo, parte por não resistir ao mistério de Madeleine.

Outro ponto forte do filme é a forma como foi filmado. O famoso zoom da câmera para enfatizar a sensação de vertigem que Scottie sente foi copiado por diversos cineastas, e não é apenas uma forma diferente de filmar, a espiral faz parte da trama. Desde a abertura, a espiral está presente, a vertigem não é apenas um efeito colateral do trauma experimentado por Scottie, mas é o grande mote do filme.

a vertigem

a vertigem

Midge tenta, mas o seu desaparecimento depois da segunda parte é uma forma de enfatizar que o protagonista já estava descendo para o fundo da espiral. Scottie pouco se importa com a pessoa que Judy é. Ele quer Madeleine de volta, e, por amor, Judy se entrega aos caprichos de Scottie. E ao se entregar, ao desistir de ser quem realmente é para se assumir como Madeleine, ela comete o erro que faz com que Scottie perceba a verdade. O ex-detetive, então, confronta seus medos, chegando ao fim da espiral, e superando sua vertigem ao alcançar lugares altos, mas não sem destruição, pois a espiral não se limita à loucura. Desde o primeiro encontro deles, a espiral que os levaria à perdição havia começado a rodar.

NOTA MARCELLE MACHADO: 10

Alexandre Alves: 10
Felipe Rocha: 10
Leandro Ferreira: 10
Rafael Moreira: 10
Ralzinho Carvalho: 9,0
Tiago Lipka: 10
Wallyson Soares: 10

Média Claire Danes do ShitChat: 10 claire_burca

A Cruz dos Anos

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(Make Way for Tomorrow ,Leo McCarey – 1937)

“They´re gonna think we are awful”

Ultimamente, Claire anda pegando pesado comigo. A primeira dela foi ter aparecido no Lollapalooza (claro que disfarçada) enfiando uma caneta verde na minha costela dizendo “Sem olhar pra trás, assiste bem esse show que você irá escrever sobre ele, don´t ask, don´t tell”, e saindo com sua burca. Mas meses atrás, ela inventou o ShitClássicos e aí que ela me deu a tarefa de escrever sobre A Cruz dos Anos, que, pra quem não sabe é o meu filme favorito, ou seja.

#te #vira #gato

#te #vira #gato

Então tá né. Lucy e Bark Cooper são casados há 50 anos, tem 5 filhos crescidos e uma neta. Como consequência da Crise de 29, o casal simpático de idosos perde a casa pro banco de sua cidade. Idosos e com clara dificuldade de conseguirem emprego, eles precisam de um teto para morar e recorrem a 4 dos 5 filhos, porém, nenhum deles consegue manter os dois em uma só casa, e após 50 anos juntos, Lucy e Bark terão que se separar. E é assim que começa um dos filmes mais absurdamente bonitos de todos os tempos.

Impressionante a quantidade de assuntos em que o roteiro toca: o abandono, a má vontade dos filhos, a difícil convivência sogra-nora e o amor (óun), além dos diálogos fortes que são tratados com naturalidade e citados pelos atores como se tivesse falando repetidamente o nome Jessica Chastain. Isso sem citar certas sacadas sensacionais durante o filme, como a cena em que Bark e Lucy se aproximam pra dar um beijo e param quando percebem alguém observando, e a frase “It’s been very nice knowing you, Miss Breckenridge.”

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A Cruz dos Anos é um amontoado de coisas que dá certo. Direção delicada e precisa de Leo McCarey (a cena em que Lucy atende uma ligação de Bark é de fazer chorar certos litros), o roteiro multifacetado que é eficiente em todos os sentidos que se possa imaginar e principalmente, a química entre Victor Moore e Beulah Bondi. A química é de arrepiar, convencem perfeitamente como casal que vive casado há tanto tempo (Victor tinha 61 e Beulah, 49), funcionam muito bem como dupla, mas individualmente, Beulah sai na frente. Sua delicadeza ao retratar Lucy é perfeita e se tornou uma das minhas atuações favoritas de todos os tempos aqui em meu cuore.

Beulah Bondi tem uma das minhas atuações favoritas ever, Leo McCarey é crocantíssimo, mas o que eu ainda não deixei bem claro aqui é que esse filme te faz chorar numa facilidade inimaginável, por exemplo, em momentos como a já citada cena da ligação, com Lucy tendo uma sincera conversa com um dos seus filhos. Mas, principalmente, os 20 minutos finais, onde você não consegue tirar o sorriso do rosto e ao mesmo tempo você chora (é sério) e nesta mesma sequência, temos o melhor momento de todo o filme:

A man and a maid stood hand in hand
Bound by a tiny wedding band
Before them lay the uncertain years
That promised joy and maybe tears
“Is She Afraid?”
Tought the man of the maid.
“Darling”,he said in a tender voice
“Tell me,do you regret your choice?”
We know not where the road may wind,
or what strange byways we may find
“Are You Afraid?”
Said the man to the maid.
She raise her eyes and spoke at last.
“My dear” she said,”The die is cast”
“The vows has been spoken,the rice has been thrown”.
“Into the future we´ll travel alone”
“With you” said the maid “I´m not afraid.”

E enquanto Lucy Cooper recitava este poema eu estava, sinceramente, assim:

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A Cruz dos Anos é um dos filmes mais sinceros sobre 3° idade, abandono e amor que já se viu por aí, daquele tipo de filme que se ver sem chorar NÃO PODE SER HUMANO.

NOTA LEANDRO FERREIRA : 10

Alexandre Alves: 10
Felipe Rocha: 10
Marcelle Machado: 10
Rafael Moreira: 10
Tiago Lipka: 10

Média Claire Danes do ShitChat: DEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEZ

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O Mensageiro do Diabo

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“It’s a hard world for little things…”

(The Night of the Hunter – Dir. Charles Laughton, 1955)

Na primeira cena vemos imagens de crianças no meio de um céu noturno, alegres, enquanto ouvem falar sobre falsos profetas, lobos em pele de cordeiro. Na cena seguinte, um plano plongée mostra um grupo de crianças brincando de esconde-esconde, e uma delas encontrando um cadáver. O contraste das cenas reforça sobre o que é The Night of the Hunter (vamos ignorar a tradução babaca): o delicado equilíbrio entre o bem e o mal, e o fim da inocência. Está também apresentado na música que abre o filme: um instrumental sombrio que acaba se revelando uma canção de ninar.

No ano de seu lançamento, The Night of the Hunter foi um fracasso tão grande que o diretor Charles Laughton, que fazia sua estréia na função, resolveu nunca mais realizar outro filme. Uma pena, pois em seu único esforço, criou um filme que impressiona até hoje pelo seu visual, o tom pesado e sombrio, e a atuação sublime de Robert Mitchum.

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Mitchum interpreta Harry Powell, um serial killer que se passa por (e acredita ser) um Pastor a serviço de Deus. Esbanjando carisma e versículos da Bíblia a esmo, ele conhece Ben Harper, um condenado à morte que escondeu uma pequena fortuna. Solto da prisão, ele viaja até a família do condenado buscando pelo dinheiro, e acaba se casando com a viúva. Porém, o filho mais velho, John Harper, sente a ameaça representada por Powell e faz tudo que pode para evitar que ele realize o seu objetivo.

Combinando um visual realista (as externas da cidade) com cenários mais estilizados, claramente influenciados pelo expressionismo alemão (a casa da família Harper), e ainda flertando com o surrealismo (a fuga no lago), Laughton usa todos os elementos que pode para criar um filme de terror incomum: é o terror experimentado pelas crianças – a solidão, perder os pais, a rejeição dos amigos, a decepção com todos aqueles que deviam os proteger.

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Outra característica fundamental do filme é o quanto ele se aproxima de ser um musical: desde a canção tema repetida pelo vilão, a música marca diversas passagens fundamentais do filme. O velho Birdie, por exemplo, que se torna uma breve figura paterna a John é visto tocando uma música para o garoto em uma cena – o garoto ignora a canção, e Birdie se recusa a parar de tocar para responder o que o garoto queria. Quando a irmã mais nova canta, John está dormindo.

A única canção que o garoto ouve é a de Harry Powell – o som da ameaça. E o único som que o agrada é o do relógio que ganha de presente (lembrando que é justamente um relógio o que ele observa por um bom tempo logo depois da morte de seu pai). Ou seja, apenas o passar do tempo é capaz de trazer algum alívio. Mas falar sobre o aspecto musical é lembrar de um dos momentos mais impressionantes do filme: quando Harry Powell e Rachel Cooper, a senhora que cuida das crianças na segunda metade do filme, cantam a mesma melodia, antecipando o seu inevitável confronto. Um momento absolutamente inusitado e inesquecível.

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O roteiro de James Agee é ousado em sua dramaturgia, e demonstra idéias incomuns para sua época. Logo depois da execução de Ben Harper, por exemplo, vemos uma cena que acompanha o carrasco até a sua casa, lamentando o seu trabalho enquanto observa seus filhos – e surge o coro de crianças cantando “See what the hangman done” numa ironia dramática devastadora (e complementada com um humor negro impecável quando a própria filha de Ben canta a melodia). Além disso, a forte crítica à intolerância religiosa se mantém (infelizmente) atualíssima. Se o vilão representa perigo mesmo quando cita a palavra de Deus, é exemplar como o roteiro demonstra que todas as suas atrocidades só são possíveis pelo apoio que ganha dos fiéis, no caso, a patroa da mãe da família Harper.

Mas chega o momento de falar sobre Robert Mitchum, que cria aqui um dos grandes vilões da história do cinema. Carismático, calculista, frio – todas essas coisas ao mesmo tempo somadas a uma insanidade que surge aos poucos, e espanta sempre que aparece. Desde sua movimentação estranha antes de cometer um assassinato, até a maneira como seus interrogatórios com as crianças vão se tornando mais tensos, sua monstruosidade chega a um clímax inesquecível: correndo atrás delas, ele acaba as perdendo quando elas sobem num pequeno barco. Pessoalmente, consigo lembrar com exatidão o grito de desespero e ódio que o vilão solta. E, o que é ainda mais fascinante, é esta a entrada para um dos momentos mais sublimes e mais lembrados do filme, que é a fuga das crianças no barco, em que vemos o seu trajeto e os perigos que os cercam.

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Billy Chapin e Sally Jane Bruce, as duas crianças, alternam momentos sublimes com outros fraquinhos, mas é fácil perdoá-los. Shelley Winters é teatral demais, exagera nas caras e bocas, mas seu jeitão funciona bem depois que ela se torna uma devota do marido. Já Lilian Gish surge sublime, e cria um contraponto absolutamente perfeito a Mitchum.

Extremamente influente, The Night of the Hunter faz com que qualquer filme meia boca que tente se justificar na base do ~daddy issues~ morra de vergonha. O que ele faz com esse tema aqui é copiado à exaustão (junto com seu visual, seu tom, etc.), mas dificilmente será igualado. As rimas visuais que comparam a trajetória de Harry e Ben Harper indo à prisão, a ameaçadora primeira imagem que John tem do “Pastor” (a sombra na janela), e a comparação dos momentos em que John vê seu pai e o Pastor serem presos são detalhes extremamente ousados não só para a época, mas principalmente para a Hollywood da época (e até a de hoje, na verdade).

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E mesmo em meio ao tom sombrio e pessimista, The Night of the Hunter consegue encerrar sua narrativa de forma sublime e poética, e só de lembrar do momento em que John resolve dar uma maçã de presente para Rachel, confesso: dois ciscos sempre caem nos meus olhos simultaneamente. Fenômeno esquisito. Enfim…

Obra-prima incontestável, The Night of the Hunter é um desses filmes que ao mostrarem o que o ser humano tem de pior, se mantém tristemente atuais e poderosos. Bom para a arte; péssimo para nós.

Mas é pra isso que o cinema serve, não?

NOTA TIAGO LIPKA: 10

Alexandre Alves: 8,0
Felipe Rocha: 10
Leandro Ferreira: 10
Marcelle Machado: 10 – DÉEEEEEZ ❤
Wallysson Soares: 10

Média Claire Danes do Shitchat: 9,6 – Claire Danes de burca indo assassinar Alexandre Alves, boicotador de notas, af

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