O Som ao Redor

osomaoredor

(O Som ao Redor – Dir. Kleber Mendonça Filho)

“Isso aqui num é favela não, véi”.

E aí que depois de muita expectativa, prêmios em festivais pelo mundo e nono lugar na lista dos melhores filmes de 2012 do New York Times, O Som ao Redor estreou oficialmente no Brasil. O longa está em cartaz somente no Rio, em São Paulo e em Recife, pois somos um povo babaca que ocupou 99% das salas do país com sequência de comediazinha tosca da Globo Filmes.

UPDATE: A página do filme no Facebook publicou a notícia de que devido ao sucesso, o longa será exibido em outras cidades do Brasil. Parabéns a nós todos.

Mas, enfim, você está aí se perguntando sobre o que é este O Som ao Redor, correto? Então, vamos deixar José Serra responder.

serra

Obrigado, Zé. Sim, O Som ao Redor é realmente um retrato ácido da classe média do Recife, que vive cercada por câmeras de segurança, grades e muros e a cada dia se sente mais desprotegida. Mas, mais do que isso, esfrega em nossa cara a disparidade que existe na sociedade brasileira e busca uma razão para tal já nos primeiros segundos, quando brilhantemente nos lembra de um passado próximo no qual nós brancos tínhamos escravos e andávamos com chapéus. Atualmente, como Kleber Mendonça Filho nos mostra do primeiro ao último minuto, somos gentis e bondosos com nossos empregados negros. A não ser que eles quebrem o trequinho de calar a boca do cachorro.

Outra característica histórica do Brasil que é vista no filme é o coronelismo, exemplificado na figura de Francisco (W. J. Solha, melhor nome), um velho escrotíssimo que costumava ~comandar~ o bairro, tinha terras e poder e hoje é dono de alguns imóveis, administrados por seus parentes. Não vou estragar o filme para quem mora em cidades que têm que aturar 8 mil sessões de De Pernas Pro Ar 2  e nenhuma desta delícia porém a última cena de O Som ao Redor deixaria orgulhosa certa pessoa.

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satisfeita

De todos os moradores, minha favorita foi a dona de casa entediada (que, inclusive, é a tia do Eletrodoméstica, curta do próprio Kleber Mendonça Filho). Sua única obrigação é fazer os filhos estudarem e então está livre para fumar maconha com a ajuda do aspirador de pó, bater uma siririca com a ajuda da máquina de lavar e preguiçosamente cantar “Crazy Little Thing Called Love” no sofá. À noite, não consegue dormir por causa dos latidos do cachorro da vizinha. Ela devia era ignorar o cachorro e fazer como essa tia aqui:

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os gays do Shitchat seguem este exemplo e garantem que dormem como princesas

Durante todo o filme, tivemos apenas uma dúvida. Será que esse senhor que está sentado duas fileiras abaixo de nós poderia ser o ex-ministro do meio ambiente Carlos Minc? Marcelle Machado garantiu que não, mas não seríamos bons jornalistas se não fôssemos apurar.

eu com minc

E, além de obtermos a esperada resposta que elucidou nosso importante questionamento, conseguimos inteiramente grátis uma crítica em 140 caracteres que divido agora com vocês.

eu com minc1

concordamos

Sério agora, Kleber Mendonça Filho humilha demais com o maravilhoso uso do som e com seus enquadramentos crocantes. Em poucos segundos, ao mostrar os prédios luxuosos do Recife tampando o oceano e cercados por uma favela, ele já disse tudo o que muito cineasta tenta a vida inteira e não consegue (aliás, o diretor também tem algo a dizer sobre isso e sobre a própria Recife no curta Recife Frio, faça este favor a você mesmo e assista). Aquele momento no qual o Francisco anda pela rua à noite e seu caminho vai sendo iluminado pelos sensores de presença dos portões entrou no meu coração e não pretende sair jamais.

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Outro tema presente na obra é a paranoia sob a qual vivem aquelas pessoas. Apesar da deliciosa sequência do pesadelo da criança, que se vê sozinha em uma casa sendo invadida, o melhor momento é a cena na qual um carro suspeito para próximo aos seguranças da rua. Remetendo a uma cena anterior, na qual eles assistem a um vídeo de um segurança sendo morto, a tensão é visível no (único) olho do homem e a expectativa de que algo ruim aconteça cresce a cada segundo. No fim, era apenas uma mulher querendo vomitar, mas não há alívio. O sentimento de medo continua e sabemos que o pior, mais cedo ou mais tarde, acontecerá.

O Som ao Redor cumpre todos os requisitos necessários para uma obra-prima: é atual, mas ao mesmo tempo é atemporal; se passa em um lugar específico, mas retrata o país de maneira geral; sacaneia a Veja. Eu ainda não chego ao ponto de chamar o filme de obra-prima (vamos aguardar uma ou duas revisões), mas dou todo o meu apoio para que você o faça.

OBS: Muito comentada a frase da Veja dita pela mulherzinha na reunião de condomínio e, sim, maravilhosa. Porém melhor frase de todo o filme acontece no início e é dita pela Sofia quando ela percebe que só o rádio do carro foi roubado: “seis livros e não levaram nenhum”.

NOTA FELIPE ROCHA: 10

Alexandre Alves: 10
Marcelle Machado: 10
Carlos Minc: 10

Média Claire Danes do Shitchat: 10

32 respostas em “O Som ao Redor

  1. O culpado pela minha ansiedade pra assistir O Som ao Redor é o curta Recife Frio maravilhouso. Enquanto não chega em Curitiba, morrerei no recalque. 😦

  2. A Claire Danes tirou a burca e saiu dançando o tchan de tão empolgada que ficou. Uma delicia esse filme, que tem a melhor reunião de condomínio: http://25.media.tumblr.com/3e40ad60c433e9c8dffe89610475a5e7/tumblr_mg471hdAA41qirrtjo1_1280.png, o power point “porteiro dormindo”.

    Outro ponto forte do filme é a presença dos sons invadindo o particular. O mote do filme são os mroadores tentando se proteger, mas não adianta. A segurança que todos buscam é uma ilusão que jamais será alcançada. O cachorro do vizinho late, o elevador é barulhento, os vizinhos estouram fogos, tudo isso deixando claro a mistura entre espaços público e particular.

  3. Assisti no Panorama de Cinema daqui de Salvador. Filmaço! E parabéns pela crítica — as participações especiais elevaram isso aqui a um outro patamar, num retrato claro da força midiática da classe alta frente à necessidade exacerbada de um espaço interativo, que consiga fazer uma simbiose entre pobres e ricos no que tange a assuntos do cotidiano brasileiro. [/pedante]

  4. Fiquei super curioso pra saber que música era aquela e acabei me esquecendo de ver nos créditos. Através de seu texto descobri que se tratava de Crazy Little Thing Called Love, do Queen.

    Valeu!!

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